Jornalista
Se fui pobre não me lembro; se fui rico, me roubaram
Tornei-me adulta ouvindo meu irmão recitando esse dito popular, que ele diz quando quer dar a ideia de que é exigente, aprecia as coisas de boa qualidade, mas que tem consciência de que nem sempre é possível obtê-las com seu próprio ganho, visto que existem outras prioridades na vida. E assim eu também procuro viver, consciente de minhas limitações, porém, sem antes tentar ser feliz do jeito que é possível. E tem dado certo, mesmo eu brincando com as pessoas, às vezes, sobre o meu real poder aquisitivo para confundi-las.
Trabalhar e receber dinheiro todo mês não me permite comprar roupas, perfumes e investir em viagens tanto quanto as pessoas pensam que eu deveria ou poderia. Pelo contrário, consumo muito pouco em lojas tradicionais e tenho viajado muito menos do que gostaria. Dificilmente eu esbanjo. Minhas compras sempre são minimalistas. Gosto de camisetas e jeans básicos, sendo que não costumo comprar esse tipo de roupa para estocar, mesmo se encontro promoções. Sempre adquiro uma ou duas peças, para repor o que uso no dia a dia, já que bato perna até demais.
Tem gente que, mesmo com poucos recursos, não abre mão de um tipo de produto ou marca específica para a casa ou o guarda-roupa. Ou, só viaja de for de avião e só se hospeda em hotéis confortáveis. Eu não, até no Pico do Cabugi eu já pernoitei, dado o meu despojamento. No entanto, aprendi em casa a reconhecer um bom tecido, então se é para comprar roupas de cama, por exemplo, priorizo o tecido, e não a marca.
Exemplo: prefiro comprar uma manta de algodão daquelas de tear, muito comum nos mercados e lojinhas populares da região Nordeste, onde vivo, do que um lençol de composição sintética das lojas de departamento. Tem pessoas ao meu redor que tem um verdadeiro fetiche por roupas íntimas e gastam verdadeiras fortunas para encher gavetas. Certa vez, uma amiga me mostrou uma sacola que continha mais de cinco mil reais desse tipo de mercadoria, em uma meia dúzia de peças.
Apois (adoro usar essa palavra, para dar a ideia o que é posto), não compro calcinhas e sutiãs caros, pelo contrário, adoro as promoções ou os preços reais do “Alecrim”, a 25 de março da capital potiguar. “Calcinha, jovem”, como reproduz a influencer Fê Guimarães em seus vídeos viralizados justamente por mostrar que o povo consegue viver e ser feliz mesmo consumindo as coisas simples e baratas.
Ou seja, nem sempre estamos apenas ricos ou apenas pobres. É preciso parar e raciocinar que tudo depende do contexto e da logística, e decidir como daremos o nosso próximo passo. Outro dia atravessei a cidade, do bairro de Lagoa Nova à avenida João Medeiros, a famosa Estrada da Redinha, no bairro Potengi, na zona Norte de Natal (RN), no final da tarde. Fui convidada para a inauguração da nova Rio Center, no Partage Shopping, e quis de verdade ir até lá. Depois de pensar se iria pedir um carro por aplicativo, e pensando no tráfego intenso àquele horário, resolvi ir de busão mesmo.
Acabou que nem era pela ponte nova. Com sorte, peguei lugar e ainda fui conversando. A passageira ao lado me animou, disse que chegaria logo, e de fato, foi uma viagem corriqueira. Mais uma vez, conversei com pessoas que diariamente fazem essa travessia e a gente percebe que o que vivemos na nossa vidinha zona Sul não é nem um terço do aperreio que o pessoal da zona Norte passa diariamente. Naquele horário, somente se eu fosse de moto, o que não se aplicava, eu chegaria mais rápido do que o ônibus, devido aos corredores exclusivos que existem para o transporte público, e pouca gente sabe dessa particularidade.
Na volta, umas 22h, de novo verifiquei as tarifas do 99 e do Uber, mas novamente resolvi arriscar o busão. E lá estava eu, na parada do shopping, voltando feliz da vida, com uma sacolinha de compras na mão, parecia que eu estava viajando em outra cidade, naquelas situações em que a gente aposta no serviço público. Duas linhas de ônibus foram necessárias e com menos de 10 reais eu consegui chegar em Pium, no distrito litoral de Parnamirim. Assim que eu desembarquei próximo ao Natal Shopping, o último ônibus para a minha comunidade chegou.
Falei ligeiramente sobre “esse feito” com colegas e ouvi o comentário de uma jovem: “guerreira”. Não mesmo, amiga, realista é o que sou. Mais do que criar regras de consumo para nossa vida, devemos quebrar as amarras e os paradigmas, pois ao economizar uns trocados naquelas viagens de ida e volta, já garanti parte dos recursos que me permitiram umas comprinhas básicas na loja que me traz tão boas memórias afetivas, mas que raramente me permito consumir por lá, justamente porque os preços nem sempre estão ou são convidativos.
Hoje, vestindo a minha calça novinha em folha, sorrio sozinha em minha sala, satisfeita por ser tão feliz, sendo eu mesma. “Se fui pobre não me lembro, se fui rica me roubaram”.
*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).
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