Eliade Pimentel

Jornalista

27/05/2024 11h21
Falar ou não falar minha opinião: eis a questão 
 
Lembro bastante das histórias que minha mãe contava. Uma delas era sobre uma mulher que levou ao padre um desabafo acerca das discussões que costumeiramente ocorriam com o seu marido, praticamente toda noite, pois ele chegava quase sempre “mamado”. O pároco a ouviu atentamente e lhe deu uma garrafa de água benta, ensinando-a colocar o líquido na boca feito um bochecho, e que não cuspisse fora até que o “alecrim dourado” pegasse no sono. 
 
Passados os dias, ela voltou à igreja muito contente, enaltecendo a água milagrosa e elogiando a sabedoria do sacerdote. Eu, muito nova, sem entender as nuances da vida adulta, não havia entendido a lição, ao que minha mãe me explicou que a situação daquela fictícia mulher era o reflexo de um diálogo infundado, com alguém que estava fora de si devido à bebida e iniciava o blábláblá de impropérios. Segundo ela, para uma discussão pegar fogo, basta uma pessoa começar e a outra responder. 
 
Claro que naquele exemplo havia muito mais do que uma mulher resignada a ouvir ofensas, sem dar respostas, sem se defender do troglodita beberrão, pois por muito menos do que aquela criatura passava com seu marido, eu já teria pego o rumo. Sendo que, tanto a mulher, quanto minha mãe, foram criadas para segurar a barra até o fim, mesmo vivendo as agruras de um casamento falido. Ou seja, é um causo com um tanto de machismo estrutural. 
 
Porém, ao longo de minha vida, eu aqui e acolá me lembro dessa história. Que não seja o reflexo de uma opressão, quando é melhor se abster de falar o que se pensa para evitar fadiga? Sou conhecida por discutir demais, a ponto de deixar as pessoas tontas com meus argumentos. Em casa, com mãe, irmãs e irmãos, e até com sobrinhas, sobrinhos e cunhada. No trabalho, com colegas e até com chefes e, na rua, com gente desconhecida. 
 
Sou tão briguenta que não tenho medo nem do capiroto, se por acaso ele existir e vier tirar onda comigo. Porém, fala-se muito ultimamente em saúde mental. E por conta da saúde dos outros, muita gente quer que eu fique calada. É bastante recorrente eu ouvir aquele famoso ditado “aceita que dói menos”. Nem sempre consigo. Calar-me ou aceitar é onde mora o problema.
 
A minha saúde mental depende que as coisas estejam corretas ao sob o meu ponto de vista. Na comunicação pública, que se refere ao meu trabalho oficial e prioritário, eu me preocupo com a narrativa que vai enaltecer o fato, que interessa ao público, mas também me preocupo em estabelecer o protagonismo da gestão que está vigente. Afinal, foram quase três décadas para colocarmos uma mulher do povo no Governo do Estado do Rio Grande do Norte.
 
Muitas discussões que eu protagonizei (e aqui e acolá ainda protagonizo) foram e são originadas, justamente, porque eu defendo o comprometimento de todo o time de comunicadoras e comunicadoras do Estado. Muitas vezes, recorri a uma gestora superior ou ao gestor e ouvi a frase “você está certa”. Mas, também já ouvi frases do tipo: “ninguém quer ouvir a verdade”, e assim, por conta daquilo que eu considero omissão quanto às estratégias de comunicação, ou pelos recorrentes erros crassos de português, muitas vezes eu sou a errada por entrar no mérito. 
 
Esses dias, prestes a completar meio século de vida, finalmente tenho aprendido que ficar calada em algumas situações é menos exaustivo. No dia a dia com minha filha, por exemplo, criaturinha que adora me tirar do sério, porque sabe dos meus pontos fracos, percebo que muitas vezes ela até espera que eu vá refutar sobre algo que ela falou. Mas, engana-se. Calada, apenas ouço. Ou quando muito, emito uma declaração. 
 
Pensei em escrever sobre esse assunto porque um dia desses eu evitei uma fadiga gigantesca, com uma pessoa que sempre está me julgando, quando eu simplesmente ignorei. Deixei-a falando sozinha, resmungando, pigarreando, enquanto eu continuava a fazer o que havia iniciado. Noutro dia, ainda ousei responder rapidamente, mas também falei e saí fora. Não deixei o circo pegar fogo. 
 
E, para arrematar a história de que nas situações corriqueiras da vida é melhor ficar quieta para não ser mal interpretada, fui inventar de dar opinião para uma colega, sobre um texto todo truncado que ela acabara de publicar, algo estranho, cheio de verbos colocados de forma inadequada, que não dava mesmo para entender. Como eu não era chefe, ela não ouviu a minha orientação, de modo que o mesmo material foi repetido exaustivamente até que um leitor/internauta apontou: “o estagiário errou feio aqui”. 
 
Ela não era estagiária. Era profissional formada como eu, em jornalismo. Pois bem, muitas vezes, a humildade de ouvir um argumento evita um incêndio. Pois, não me atingindo, vou procurar nem ligar se eu vir um foco de incêndio. Com toda certeza, não serei eu a chamar os bombeiros.

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