Eliade Pimentel

Jornalista

13/08/2024 11h31
 
Jornalista também é gente e tem coração
 
É raro eu não me emocionar quando entrevisto e escrevo sobre temas relacionados ao povo, às pessoas simples, às pessoas batalhadoras. Arte, cultura popular, agricultura familiar, esportes e temas de superação são os me tocam mais. Na época da Tribuna do Norte, trabalhei com a jornalista Michelle Ferret, grande profissional deste estado, de extrema sensibilidade, e costumava brincar dizendo que éramos as repórteres choronas. Houve uma ocasião, por conta da duplicação da BR-101, que ela voltou da rua ainda aos prantos, sensibilizada pela história de uma senhora que residia às margens da rodovia e teria sua vida modificada pelo chamado “desenvolvimento”.
 
No início do primeiro mandato do governo Fátima Bezerra, fui para a inauguração da Biblioteca da Faculdade Católica, de Mossoró (RN), e chorei copiosamente quando o coral começou a cantar o clássico Santa Lucia, enquanto jovens entravam com a imagem de Santa Luzia, a padroeira daquele município e também do distrito Pium, em Parnamirim, que é uma das minhas bases. A deputada estadual Isolda Dantas, devota como a maioria das pessoas daquela região, nem me conhecia e me olhou admirada, por eu estar extremamente sensibilizada naquela solenidade. 
 
A canção que eu tanto amo desde minha infância e a devoção do público me tocou, naquele momento tão especial, que contou ainda com a presença ilustre do querido Padre Sátiro Cavalcanti. E assim tem sido a minha vida profissional, aqui e acolá eu não consigo segurar as emoções. Quando menos espero, estou eu chorando em meio a uma pauta. Nessas situações, eu nunca me constranjo, porque sou o tipo de pessoa que tem as emoções à flor da pele e ponto final. Sou humana e meu trabalho me sensibiliza. Seja por um motivo triste, seja por um motivo de superação. E assim, vou construindo minha trajetória de repórter emotiva. 
 
Acho lindo quando vejo colegas se emocionando também, porque para mim isso significa que jornalistas estão servindo bem ao propósito de contar histórias. Nas Olimpíadas Paris 2024, foram várias as situações em que repórteres deram o melhor de si, incluindo colocando para fora toda emoção. Ainda não familiarizei com os nomes de colegas da Cazé TV, a não ser a carismática Fernanda Gentil, que assim como eu também escreve crônicas. Ela se emocionou em diversas ocasiões. 
 
Teve outra repórter que se emocionou ao cobrir o ouro da judoca Beatriz Souza. Além de torcer por ser brasileira, havia o aspecto da identificação também, por ambas serem negras e saberem que a vitória implicou uma superação ainda mais significativa. Ao falar de seus melhores momentos, o repórter que cobriu a prova do atleta medalha de prata Caio Bonfim, da marcha atlética, teve seu momento de ouro, porque o rapaz o reconheceu, das coberturas de eventos muito menos importantes ou glamourosos do que olimpíadas. 
 
No derradeiro dia do evento, Cazé convidou sua equipe ao sofá e outro jornalista falou algo, emocionou-se e pediu desculpas. Não sei o que o emocionou, porque peguei o bonde andando, mas me incomodou o fato de ele ter pedido desculpas pela emoção incontida. O apresentador chamou o intervalo, e afirmou que era o tempo para todo mundo se recompor. O rapaz se desculpou mais de uma vez, por ser emocionar pela situação que passara. E eu fiquei sem entender porque as pessoas se emocionam e pedem desculpas. 
 
À noite, no Fantástico, a apresentadora Poliana Abritta entrou com a voz embargada ao noticiar que duas crianças morreram no acidente da Voe Pass. Ela também se desculpou duas vezes por não conter a emoção, diante de uma notícia tão trágica. Somos de carne e osso, nós nos emocionamos e temos o direito de demonstrar nossos sentimentos. Não penso que precisamos nos desculpar. Em 2019, quando cheguei na Governadoria para dar expediente na Assecom-RN, a então chefe de redação me deu a tarefa de enviar à imprensa a nota de pesar do querido jornalista Carlão de Souza, que havia partido pela madrugada. 
 
Não me contive e desabei no choro. Ela ficou constrangida, disse que não sabia que eu era tão amiga dele e se eu queria que ela passasse a tarefa para outra pessoa. Eu disse que não precisava. São os ossos do ofício. Tenho certeza que muito pior foi o médico plantonista que se deparou com filho morto em acidente. E assim é a vida. Em todas as instâncias que frequentamos, com certeza terá algo que nos tocará com mais delicadeza. 
Por isso eu digo, colegas, não se desculpem por externar sua sensibilidade. E ao público, só peço que nos enxerguem como seres humanos. Somos de carne e osso, temos um coração pulsante e uma mente cheia de memórias e afeto.           
 
_____________
 
Eliade Pimentel é jornalista, graduada pela UFRN, com larga experiência em jornalismo cultural, assessoria de imprensa, comunicação estratégica e comunicação em rede. Atua como Assessora de Comunicação na Fundação José Augusto (Governo do RN). Mãe de Alice, amante de Baía Formosa e Pium, ativista social, cultural e ambiental, autora de contos eróticos e cronista deste portal.  
 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).