Jornalista
Alegorias de um cardápio junino
Pediram-me para escrever uma sugestão de cardápio junino e eu pensei que tivesse arrasado na lista, adicionando mil e uma guloseimas que eu gostaria de comer. E quando eu estivesse farta, ainda sobraria espaço para umas bolachinhas, um pedacinho de queijo, uma dose de cachaça ou um chá para voltar a respirar. Claro que eu comecei pelo milho cozido, passando pela canjica, que para alguns estados é curau, e em outros é chamado de papa ou mingau de milho, acrescentei munguzá doce e salgado, bolos pé de moleque (ou bolo preto), de milho, de macaxeira e da moça.
Este último, o famoso bolo mole, ou pega-marido quando muito bem feito, com não sei quantos leites. Hum, que delícia, eu suspirava enquanto escrevia a lista, com 40 itens. Pensei, claro que o povo vai amar, pois tem muitas opções e ninguém vai dizer que está sem ideia de o que vai levar para o buffet coletivo. “Viajei” e citei quentões com e sem álcool, como uma boa festa junina dos pampas, chocolate quente, além do tradicional suco de caju.
Toda festa potiguar tem que ter variedade de suco. Cajá, acerola e caju, mangaba, limão e abacaxi com hortelã. Olha como eu sei fazer lista e dar ideia de o que levar para o lanche da firma. Penso no estagiário que mora sozinho e vai levar um pacote de bolacha de padaria, e também naquela pessoa que adora cozinhar e vai levar o cuscuz temperado, ou em quem é chique demais e já vai encomendar salgadinhos, empadões e salpicões.
Ah, mas nada disso é junino. Antes que me critiquem, já esperava que alguém dissesse isso. Cachorro quente só de carne moída é um lanchinho a cara das festas potiguares. Apois, não poderia faltar na minha lista de festa junina. Oxente. Quem disse que o seu João vive à base de milho? Nossa mesa tem macaxeira, amendoim, gergelim e castanha, tem carne de sol, ovo de codorna, caldo de peixe e camarão salgado de tira-gosto.
Ouvi um zumbido que dizia: você está de brincadeira. É festa j-u-n-i-n-a. Quer que eu soletre. Sim, pois quero paçoquinha, pipoca doce e salgada, quero pamonha, arroz doce e até sarapatel, o famoso picado. Quero comer coxinha, empadinha, pão de queijo – que lá para as bandas da Bahia é chamado de pão delícia - com patê de atum, e também quero lambuzar meus dedos na cocada mole com leite condensado. Aposto que mesmo você, que ainda não entendeu o espírito da coisa, vai adorar essa mistura de sabores e essa fartura de tanta comida boa.
Na minha concepção, um cardápio de festa junina é composto por tudo que a gente gosta de comer no dia a dia, num final de tarde ou à noitinha, com aquele café quentinho, com direito às comidas de milho, pois este é um ingrediente que está em alta nesta época do ano. Para quem não sabe, a tradição de comidas de milho no meio do ano nasceu bem antes das tradições cristãs impostas a nossa população originária.
Lá em Sagi, comunidade indígena situada em Baía Formosa, no litoral Sul do Rio Grande do Norte, na divisa com a Paraíba, todo ano, no mês de junho, ocorre a tradicional Festa do Milho. Dançam o toré e outras danças apreendidas pela cultura brasileira ao longo do tempo, como nosso clássico e forró pé de serra, cantam e comem muitas comidas de milho. E claro, tem fogueira. Não é uma festa originalmente cristã e simboliza a colheita do milho.
Considero simplesmente incrível a representatividade da cultura indígena na nossa culinária cotidiana. A tapioca, o beiju, o cuscuz de milho e o cuscuz de mandioca. E tudo isso, ao meu ver, cabe muito bem numa mesa de festa junina ou em qualquer festa ao longo do ano. Sabe o porquê? Tudo aquilo que comemos, que gostamos, que fazemos questão de dividir com nossa família, diz sobre quem somos e para onde vamos.
Sim, estava esquecendo das frutas para a nossa mesa farta, que além de servirem como decoração, também é uma desculpinha para quem comeu demais bater uma fatia de melão. Estamos falando de um produto bem potiguar, que eleva o RN ao topo das exportações por conta dessa frutinha deliciosa, altamente refrescante e necessária para hidratação, que serve como entrada e também como sobremesa.
A festa junina é importada. Não é nem tipicamente brasileira. Tornou-se uma festa brasileira por conta da inventividade do povo brasileiro. E, justamente, por conta dessa nossa criatividade, que aceitamos toda e qualquer novidade para inserir no nosso rol de delícias típicas. Assim, sucumbimos aos atuais tradicionais sabores Ninho e Nutella, morango Quick e Doce de Leite Argentino.
É fato que não iriamos aceitar um cardápio tão modesto, tendo como protagonistas apenas o milho e seus derivados, sem pensar num churrasquinho para fazer par com a cerveja gelada, nem ao menos uma cachacinha para esquecer que dia seguinte tem ressaca. Só quero dançar meu forró e entrar na quadrilha improvisada. E se faltar comida, que ainda sobre um chocolate quente, porque sei que ao final do dia, já terá chovido um bocadinho. E não quero passar frio!
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