Eliade Pimentel

30/10/2023 12h36

 

Toda mulher é bruxa e seu legado atravessa gerações

 

Minha sobrinha era bebê e estava soluçando sem parar. Alguma mulher passou por perto, avó ou tia materna, e disse para colocar uma linha vermelha na testa da criança. Não lembro com exatidão se o soluço passou, mas aquilo me marcou e eu repeti esse feito com minha filha. Tenho a impressão de que sempre passava. Por ser algo acessível e inofensivo, as pessoas mais tradicionais continuam acreditando e fazendo essa prática. A família em questão é católica praticante e, pelo que eu saiba, não consta essa orientação nos dogmas católicos. Mas, as práticas pagãs são anteriores ao cristianismo e passam por gerações, quase sem nenhum filtro. 

No chá de bebê de Alice, ganhamos um par de sapatinhos vermelhos, com a orientação de que ela deveria usá-los na saída da maternidade, como símbolo de saúde. Eu não me fiz de rogada, pelo contrário, senti-me muito honrada com o cuidado de quem nos presentou, com tanto amor e carinho. Claro que a minha garotinha saiu muito fofinha, vestida com a chamada roupinha de pagã (ou pagão, no caso dos meninos), o tradicional conjuntinho de algodão, lindamente bordado. Extremamente estilosa, como ela é até hoje.

Simplesmente, adotamos no nosso dia a dia diversas práticas e crendices que não condizem com os preceitos da maioria das religiões. "Menino, desvire esse chinela. Quer ver sua mãe morta?" E assim passamos a vida acreditando em pequenos detalhes que só a fé explica, sendo que uma fé inespecífica em algo ou alguém. Como por exemplo, porque acendemos velas no bolo de aniversário e fazemos um pedido? Numa rápida pesquisa na internet, encontrei uma explicação no mínimo curiosa, levando em conta principalmente os dogmas da religião cristã-evangélica, que não admite acendimento de velas em momentos de devoção.

"As velas colocadas em cima do bolo também surgiram na época dos deuses antigos, pois as pessoas acreditavam que a fumaça das velas levava as preces dos fiéis até o céu, além de proteger o aniversariante de espíritos ruins e garantir sua proteção para o ano vindouro." O artigo "Aniversário", de autoria de Tiago Dantas, está disponível na página Brasil Escola, no link https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/aniversario.htm, para quem tem dúvidas.

Eu já desconfiava de que se tratava de uma prática pagã, anterior ao cristianismo, pois é adotada por muitos povos, principalmente os ocidentais, mesmo sendo por onde o cristianismo ganhou mais espaço. Sinceramente, diante de certas falácias que saem da boca de pessoas cristãs-evangélicas, tenho vontade de sair questionando: ei, vocês aí não têm medo de evocar espíritos demoníacos ao acender velas nos bolos de aniversário?

Até porque, os chamados “crentes” adoram uma festinha de aniversário, bem farta de comes e bebes. E o bolo com velas nunca deixará de ser o protagonista. A não ser as Testemunhas de Jeová, todo cristão ou toda cristã que eu conheço sopra a velinha e quiçá faz um pedido na hora de apagar a chama. Pois, meus queridos e minhas queridas, quem sabe chegou a hora de reverem seus dogmas, seus preceitos e também seus preconceitos e comportamentos que beiram à intolerância religiosa?

Eu não abro mão de minha porção bruxa. Tomo chá, tomo banho com folhas de colônia para purificar meu corpo e meu espírito, que no meu entendimento é o sopro da vida. Penso que, morrendo, voltamos a ser apenas matéria, por isso cultivo minha espiritualidade, para me sentir cada vez mais viva, mesmo não me interessando seguir uma religião específica.  Eu me abasteço das bênçãos da Mãe Terra. Meu banho de mar no primeiro dia do ano é sagrado para mim. E, nos dias em que estou me sentindo meio cansada, é um verdadeiro bálsamo.   

Exercito minha porção bruxa não apenas ao reverenciar o poder das ervas, mas, sobretudo emanando a energia certa para que as coisas fluam com naturalidade. Ao matricular minha filha no Pilates, eu pensei com todas as minhas forças: “que esta prática venha para somar de forma holística em sua vida, que ela tenha corpo, mente e espírito conectados em um só propósito”. Pois, um belo dia, a moça me entregou a resposta: “sério, investir no Pilates é melhor que investir na psicóloga. Trabalha mente e alma ao mesmo tempo”.

No meu íntimo, pensei sorrateiramente: “hum, bem que deu certo”. E agradeci ao universo por ter aceitado meu pedido. É fato que existem muitas crendices e práticas pagãs inseridas no nosso cotidiano. Algumas estão tão arraigadas que jamais pensaríamos se tratar de alguma prática ancestral. Portanto, quando uma pessoa atribui o acendimento de vela branca à invocação de demônios, parece que nada mais há de ser dito a não ser atribuir esse fato específico ao fanatismo cristão e à intolerância religiosa.

Ademais, quem já parou para pensar que mães – sejam elas católicas ou evangélicas abençoam e também amaldiçoam sua prole? Ou seja, “eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”, como é posto no ditado popular. Cuida!

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).


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