Jornalista
Dos afetos e desafetos que a vida nos dá
Geralmente ouvimos dizem que não devemos guardar rancor, e eu até concordo, para preservar nossa saúde. Mas, confesso que é difícil esquecer certas pessoas que nos sabotaram ao longo da vida. Ou, em algumas situações, engolir certas criaturas pernósticas. Então, procuro me preservar, não pensando muito a respeito. No entanto, tem gente que eu realmente não consigo nem cumprimentar, por sentir que aquela pessoa me fez muito mal mesmo e não me sinto bem para perdoar. Ou melhor, até perdoo, mas não retomo a amizade. Ou seja, nos casos em que o dolo foi mais pesado, digamos assim, prefiro esquecer que ela existe.
Em compensação, mesmo eu sendo considerada insuportável por uma horda de gente sem futuro, por eu não esconder a verdade, por eu ser autêntica, por eu ser perfeccionista, por eu ser caxias em tudo o que faço, tenho uma legião de amigos e amigas, uma verdadeira leva de gente bacana que me admira e me ama. E isso me contenta ao ponto de eu não temer o fato de que sou intransigente com meus (res)sentimentos. Encontro gente das antigas que faz questão de me dar aquele abraço, gente nova, recém conhecida, que faz questão de me ajudar, de ser gentil, e por aí a vida segue, pelo caminho da afetividade, do amor.
Na vida adulta, é fato que às vezes fica difícil administrar sobre os desafetos que a vida nos dá. Na família, por exemplo, é a parte mais difícil. Você ir a uma festa familiar e posar com aquela pessoa que um dia lhe ofendeu drasticamente. A gente tenta, a gente finge, e às vezes a gente foge da realidade. É o jeito. Nesses tempos de polarização política, isso tem acontecido nas melhores famílias brasileiras. Nesses casos, vai ter pessoas se perguntando: em se tratando de família, o perdão se faz mais urgente? Não sei, só sei que não levo desaforo nem de família.
Pelo fato de ser solteira e mãe solo, passei e passo por muita situação vexatória de ofensas, e chega um ponto que não dá para contemporizar. Simplesmente, não dá para passar pano para a misoginia, para o machismo. Quando a minha mãe era presente, eu ainda tentava esconder meus sentimentos, ou anular, mas hoje em dia não. Quem quiser que reveja seus conceitos e sua forma de abordar uma mãe trabalhadora. Eu faço a linha “tô nem aí” para quem quiser me julgar.
Mas, comecei a pensar neste assunto porque ultimamente tenho percebido que minha coleção de “desafetos” está bem grande. E isso me preocupou, porque é extremamente chato ter de resolver algo exatamente com um fulano ou fulano que eu não falo, sequer cumprimento. Um dia desses, contemporizei porque a pessoa em si nunca fez nada contra mim. Era só um ranço e passei por cima. Noutra feita, eu descobri qual era o horário de expediente de uma fulana (que aprontara comigo de tal forma a ponto de me prejudicar, e eu simplesmente a coloquei no limbo das pessoas non gratas), e falei com seu colega do turno oposto.
Ou seja, consegui passar adiante sem passar por cima do meu orgulho (besta, reconheço). E também não faço questão que qualquer pessoa, mesmo minha filha, seja amiga ou admire quem eu não suporto. Porque cada pessoa tem seu ponto de vista e o meu só vale para mim. Voilá.
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