Eliade Pimentel

10/06/2024 09h55
Um divã para dois e as concessões que (não) fazemos para o amor
 
Faz tempo que ouço falar no filme Um Divã para Dois (2012, David Frankel), com Meryl Streep e Tommy Lee Jones. Por gostar de assistir a romances açucarados, comédias e dramalhões, sempre aparecem esses títulos na minha conta da plataforma que utilizo com mais frequência, que é a Netflix. Gosto de filmes tidos como “cult” também, porém, nem sempre sei quais opções estão disponíveis, de modo que vou me valendo desses mais comerciais que aparecem. 
 
Até porque a intenção é desanuviar o juízo e aproveitar, sempre que o enredo permite, para refletir sobre o nosso tão propalado cotidiano. Sobre o filme que embalou meu domingo à noite, sozinha em casa, após mais de uma semana arriada de um resfriado, o título me chamou a atenção por envolver terapia, numa clara tentativa de reaver um casamento fadado à monotonia. Nunca me casei propriamente, mas tenho curiosidade sobre os casais ao meu redor. 
 
Principalmente quando percebo que perderam a camaradagem, vivem quase como em pé de guerra. No filme, a gigante Meryl Streep é Kay, que todos os dias faz quase tudo sempre igual. Pela manhã, levanta mais cedo que o companheiro, frita uma fatia generosa de bacon com um ovo, passa o café numa cafeteira elétrica e o serve. Dormem em quartos separados, como muitos casais que estão apenas casados, mas não estão mais juntos.
 
Ele, interpretado pelo expressivo Tommy Lee Hones, é Arnold, um funcionário metódico que faz seu desjejum apressadamente, enquanto lê as notícias do jornal, cuidadosamente colocado na mesa por ela, obviamente. E assim, notamos que o principal problema daquela relação é a falta de intimidade. Ao sair, ele sapeca ligeiramente um beijo no rosto, enquanto ela espera por um selinho, que há anos não acontece mais, e anuncia o que será o jantar. 
 
Percebo que é mais uma clara tentativa de chamar a atenção para algo trivial. Como se o cardápio fosse despertar no seu parceiro um interesse a mais, na volta para a casa, a não ser a tríade comer, assistir ao golfe na tevê e dormir. Durante o dia, Kay aparece conversando com uma mulher e ajeitando alguns objetos, não dando certeza se é um trabalho remunerado ou voluntariado, mas revela que ela não fica cem por cento do tempo em casa. 
 
E nesse tempo que ela tem para si mesma, Kay aproveita para pesquisar como melhorar seu matrimônio, até achar um profissional que atende noutro estado e oferece um tratamento intensivo, ou seja, por uma semana, os casais têm consultas diárias. Ela investe um valor pessoal, pois o marido não é muito permissivo para gastar dinheiro, e vão a uma cidade com ares turístico, organizada especialmente para receber casais em crise.
 
Ou simplesmente, os casais que se previnem para não entrarem em crise. O terapeuta dá alguns exercícios aparentemente simples, como passar algum tempo abraçados, e assim vamos percebendo que a frieza no casamento é algo que decorre de ambos. Tanto Kay, quanto Arnold, perderam o jeito, o traquejo, não sabem mais namorar. E claro, ambos têm projetado na outra figura a sua razão, a sua frustração.
 
São 31 anos de casados, pais de um casal de filhos, não querem abandonar o osso, porque percebem que ainda se amam. E procuram, naquela terapia, uma forma de reencontrar o elo perdido. Se até para quem assiste ao filme, é difícil acreditar que há uma solução para a retomada do casamento de Kay e Arnold, imagine para o próprio casal. 
 
O filme é sobre o amor e as concessões que fazemos para exercê-lo. Seja de natureza afetivo-sexual, seja fraterno, seja familiar, e até mesmo o amor de mães e pais para filhos e filhas, a história mostra que não dá para amar incondicionalmente. O amor exige concessões. E Um Divã para Dois mostra isso. Com toda clareza. Sigamos, amando.  
 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).