Eliade Pimentel

Jornalista

08/07/2024 15h47

O que me causa espanto na arte? 

 

Eu e uma grande quantidade de pessoas fomos sobressaltadas com a chegada da exposição “Nordeste Expandido: estratégias de (re) existir”, que permanecerá em cartaz na Pinacoteca do Estado, em Natal (RN), até o dia 24 de agosto de 2024. A abertura oficial ocorreu no dia 4 de julho e, de quinta a sábado, foi realizado o seminário homônimo, com a participação de artistas de vários estados onde o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), que é a instituição realizadora, tem atuação. Ou seja, os nove estados nordestinos, mais Espírito Santo e Minas Gerais. 

No primeiro dia, a performance “Brinquedo: de onde surgem os sonhos?”, de Tieta Macau (MA), deixou o público quase sem respirar. Ela e mais três artistas fizeram uma atuação em que todos os elementos evocaram a nossa ancestralidade, a começar pelos movimentos e pelo figurino, tudo isso numa atmosfera deslumbrante, tanto na cenografia, como no cheiro incensado que recendia no ar. Grunhidos e gritos nos levaram para uma era antiga, onde os diálogos eram verbalizados de uma forma ainda muito visceral. 

Em três dias, foram realizadas performances e rodas de conversa, sendo que um dos pontos altos que eu considerei, até onde pude acompanhar, foi a participação de Civone Medeiros, poeta e performer potiguar que reproduz seus poemas em suportes os mais variados, dando uma funcionalidade para a poesia, ao mesmo tempo em que facilita o consumo de sua obra pelo público e consequente geração de renda para a artista. Ela integrou a mesa “Palavras Geradoras", um diálogo sobre arte e educação atreladas aos movimentos da cidade, com Fabíola Alves (RN) e mediação de Sânzia Pinheiro (RN).

Acompanhei também a mesa “Vir Ver ou Vir”, com a artista ceramista Maria dos Mares (PB), Manoel Ricardo de Lima (PI), Cláudia Nên (SE) e mediação de Sofia Bauchwitz (RN). E foi essa moça mediadora, após toda apresentação, que fez uma pergunta para Maria que não quer calar no meu juízo. O que lhe causa espanto na arte? Ela ficou um pouco espantada com a pergunta, e realmente não lembro sua resposta, pois eu já estava eu mesma imersa em minhas próprias respostas. 

Comecei a refletir e, uma das respostas que consegui formular, sobre o que o que me espanta na arte, após me surpreender com tantas falas, participações, performances, leituras, obras, é não ter a menor noção do quanto a arte me tocará. Isso ocorre pelo simples fato de que sou bastante emotiva e muitas vezes sou surpreendida pela minha própria emoção incontida. 

No seminário, por exemplo, ao tratar da obra de Civone, cuja carreira acompanho desde início, e muitas vezes com performances marcadas pela nudez, aproveitei o momento para falar sobre a importância de trazermos crianças para todo tipo de evento cultural, independentemente de o que seja apresentado, visto que o corpo é natural, e minha voz denunciava o quanto eu estava emocionada. E o principal motivo era ver tantas pessoas diferentes: gente na mais tenra infância, gente jovem, gente adulta e gente idosa, todo mundo buscando o que não perdeu e achando o que não procurou.   

A própria Maria dos Mares me espantou, com sua fala tão macia e ao mesmo tempo contundente, ao descrever sobre sua mais nova exposição “Amorcracia”, que fica em cartaz no shopping Livmall, em João Pessoa (RN), até o final do mês de julho de 2024. Ela contou que recebe visitas no atelier e as conversas não giram apenas sobre sua arte, mas ela convida as pessoas a lerem poemas, e citou o poema “As duas velhinhas”, de Cecília Meireles, que é recitado enquanto tomam chazinho imaginário em xicrinhas reais feitas com cerâmica. Algo bem ao estilo Manoel de Barros, que é uma de suas referências. 

Ao final, ela presenteou o público com uma trouxinha de barro, e sugeriu que nós manipulássemos aquele material e depois contássemos as emoções afloradas. Eu mantive o barro dentro do plástico e fui moldando, apertando, durante a continuação da mesa. Não tivemos tempo de relatar as impressões daquela experiência, mas ao pedir para fazer uma foto com a artista eu contei que aquele simples movimento me levou de volta ao local que amo, que é Baía Formosa, cujo amor é tão forte que eu tenho tatuado em meu braço. E tudo o que me leva a BF me deixa imensamente feliz.  

A arte realmente é algo que serve para aflorar nossos sentimentos, aqueles às vezes tão recolhidos que nem ao menos sabemos onde estão escondidos, e com foram parar nos recônditos no nosso ser. Minha emoção incontida, ao fazer a intervenção na mesa “Palavras Geradoras”, foi citada depois e exemplificada como recorrente em minha vida. Ao escrever (e reler) esse texto, parei algumas vezes para enxugar as lágrimas, que brotam pelas lembranças aqui evocadas. 

Naquela ocasião, o artista potiguar Ítalo Trindade relatou a um colega sobre um dia em que desabei no choro ao ver uma obra sua em produção. E eu lembrei de um dia que, ao reconhecer a praia de Areia Preta numa pequena marina de Dorian Gray, célebre artista potiguar, eu desabei no choro também, por identificar um de suas paisagens favoritas por meio de pinceladas extremamente sutis. E assim caminha a arte em minha vida. Para me espantar, para me sobressaltar, para me enlevar e para me tirar da zona de conforto. Voilá.   

 

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