Professora e feminista
Entre Sereias e Urnas: O Paradoxo da Participação em Natal
O dia 27 de outubro parecia ser apenas mais um turno de disputa eleitoral, onde a atmosfera das vibrantes ruas de Natal, RN, estavam carregadas de expectativas e reflexões. A música "A Novidade", interpretada por Gilberto Gil, que utiliza a metáfora apresentada na figura de uma sereia para explorar temas como a desigualdade social e a dualidade entre o belo e o grotesco, ressoa de maneira impressionante com o cenário político da cidade em um claro questionamento acerca da aceitação passiva das desigualdades e a necessidade de uma consciência mais crítica e ativa diante dos problemas sociais.
Na letra, a sereia que chega à praia, com a parte superior de uma deusa e a inferior de uma baleia, simboliza o encontro entre o divino e o terreno, o sonho e o pesadelo. Este paradoxo se manifesta na recente disputa eleitoral entre Paulinho Freire, do União Brasil, e Natália Bonavides, do Partido dos Trabalhadores. Freire, que emergiu como vencedor com 55,34% dos votos, poderia ser visto como a materialização do "pesadelo tão medonho" para alguns, enquanto Bonavides, com seus 44,66%, representava o "milagre risonho" que muitos esperavam.
No entanto, além dos números e das porcentagens, o que realmente chama a atenção é o silêncio daqueles que não participaram. A ação e a omissão são duas faces de uma mesma moeda, e nas eleições, esse contraste se torna ainda mais evidente. A ação, representada pelos 222.661 eleitores que escolheram Paulinho Freire, e os 179.714 que apoiaram Natália Bonavides, mostra a força da participação cidadã, o poder de decisão que, mesmo em meio a divergências, busca moldar o futuro da cidade.
A omissão, expressa pelos 150.064 eleitores que se abstiveram. Essa ausência de participação reflete um profundo sentimento de desconexão com os processos democráticos, levantando questionamentos sobre como reengajar esses cidadãos na vida política da cidade. O que leva tantos a se ausentarem das urnas? Seria desilusão com a política, descrença nas promessas ou simplesmente indiferença?
Esse número, que representava 26,07% do eleitorado, é um eco ensurdecedor de desilusão e apatia. Para muitos, a política tem se tornado um campo de promessas vazias, e a descrença no sistema os levou a optar pelo silêncio, entretanto, há um lembrete gritante de que a democracia não é apenas um direito inegociável, mas uma responsabilidade. Quando escolhemos não agir, estamos, de certa forma, permitindo que outros decidam por nós, e essa omissão pode ter consequências tão impactantes quanto a própria ação.
Os votos brancos e nulos, que somaram 7.106 e 16.084 respectivamente, também refletem essa dualidade entre ação e omissão. Enquanto alguns podem ver o voto nulo como um protesto, um grito de insatisfação, outros o interpretam como uma abdicação do poder de escolha, um espaço vazio que poderia ter sido preenchido por uma voz ativa.
Em meio a esses números e reflexões, Natal segue seu curso e desafios à frente. O novo prefeito, Paulinho Freire, tem nas mãos a responsabilidade de honrar a confiança dos que o elegeram e, talvez mais importante ainda, de conquistar aqueles que se sentiram alheios ao processo.
A vida na cidade continua, com suas praias já não tão deslumbrantes e seu povo desiludido, mas a crônica das eleições de 2024 deixa uma lição importante: a verdadeira mudança começa quando cada cidadão entende o poder de sua ação e a consequência de sua omissão. Esses sentimentos diversos revelavam a complexidade do momento político. A cidade, em sua essência, necessita refletir sobre seu futuro, consciente de que a verdadeira mudança exigiria não apenas líderes eficazes, mas também uma população engajada e ativa. Entre conversas e cafés, a esperança e a de que, no próximo pleito, mais vozes se fizessem ouvir, transformando a omissão em ação e, assim, moldando um futuro mais inclusivo e representativo para todos.
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