Fábio de Oliveira

12/09/2022 09h12

“Você está sendo radical demais!”

 

 

Entre tantas pautas sobre questões que envolvem as diversidades e as lutas dos nossos povos, o título deste texto surge em rodas de conversas no intuito de interditar debates; ou, pelo menos, tenta! Essa frase titular é frequentemente usada por brancos e pessoas não racializadas para nos silenciar e fazer com que nos sintamos culpados por simplesmente tomarmos condutas assertivas nas nossas colocações. Quem acompanha meus trabalhos, sabe que não aliso nas minhas escritas e nas produções audiovisuais, e isso também se aplica à minha oralidade.

            Acredito que sempre é interessante reiterar, para quem está lendo, que as minhas crônicas não são meras opiniões que emergem de um delírio insano e surreal. São baseadas em fios condutores da produção de saberes decoloniais: observações do meu cotidiano, estudos constantes e a oralidade dos mais velhos. Eis os saberes orgânicos trazidos pelo professor Antônio Bispo Santos! E, para isto, não se faz obrigatória minha matrícula em alguma instituição acadêmica para que minha fala seja validada. Portanto, não é o pensamento acadêmico retrógrado e colonial que vai me silenciar e silenciar aos meus.

            Um dos mais recentes casos em que eu ouvi alguém dizer “você está sendo radical demais!”, foi há semanas. Na ocasião, o interlocutor, que, inclusive, é muito conhecido na área cultural da cidade, citava um dos jovens nomes do segmento audiovisual de forma canônica, como se fosse um padrão de referência a ser disseminado e seguido. Como se esse jovem nome devesse, a todo custo, está ocupando espaços de discussões sobre povos indígenas. Será que ninguém nunca questionou a ausência dos nossos povos?

         As tentativas de silenciamento acontecem bem debaixo dos nossos narizes. Quando relatei que as apropriações culturais e tomadas de lugares de fala estão acontecendo descaradamente, não somente no audiovisual, mas em outros segmentos artísticos, o “radicalismo” atribuído à minha fala,  na intenção justamente de frear minha voz. Então, isso só corroborou o que eu já venho notado sobre o “pacto narcísico da branquitude” – conceito elaborado por Cida Bento, psicóloga e ativista negra, que nos traz ensinamentos e discussões – que acontece cotidianamente e que só beneficia um grupo hegemônico da sociedade e... adivinha qual.

            Se esse rápido debate sobre as questões expostas já trouxe resquícios de racismo por meio do silenciamento através da afirmação “você está sendo radical demais!”, não há de ser diferente em fóruns, plenárias e quaisquer outros encontros coletivos. Como avançar nos diálogos sobre acessos democráticos, em políticas públicas e reais representatividades racializadas – em que sejam considerados os marcadores étnico-raciais – diante de condutas supremacistas, racistas e antidemocráticas? Aqui deixo a provocação para que pensemos coletivamente.

 


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