Fábio de Oliveira

21/02/2023 16h28

 

Deslocados da própria terra

 

Semanas atrás, o professor Wellington Medeiros lançou uma tarefa interessante de analisarmos uma música de composição do talentosíssimo Chico César. O olhar analítico e crítico deu-se sobre a canção intitulada “Beradêro” do álbum Aos Vivos (1995) que trouxe importantes reflexões decoloniais por meio de uma sensível ótica. As entrelinhas das estrofes e os jogos semânticos exercita e ensina sob um olhar do lado de nossa narrativa. Nessa invasão que nunca parou de ocorrer, quem se tornou estrangeiro?

Não por acaso, durante essa tarefa, estava de passagem por alguns dias de carnaval no município de São Miguel do Gostoso/RN com minha família. Tal circunstância, foi inevitável não comparar e mais uma vez, olhar esses sinais ao nosso redor. Como a maioria sabe, é um local invadido por donos de pousadas, restaurantes e outros espaços luxuosos, dos quais não são acessíveis nem mesmo pela maioria da própria população local. Quando estão nesses ambientes, estão na condição de empregados em cargos subalternizados.

As poucas casas que ainda resistem ao poder aquisito dos estrangeiros, se tornam praças matutinas e diurnas para os moradores assistirem as idas e voltas de turistas que usufruem as paisagens naturais do espaço. Mas a sensação de forasteiro é nítida nos olhares da população como se fossem corpos estranhos em seu próprio lar. Observando distante ou pelas beiradas, as festas e outros eventos feitos para todes, mas não para essas pessoas.

As maquiagens estruturais para o acolhimento de quem deveria ser forasteiro operam bem diante de uma narrativa colonizadora por meio das atividades turísticas. Ao passo que, invisibiliza ruídas estruturas sociais gritantes nas ruas à esquerda da Avenida dos Arrecifes e culturais em um contexto geral que encobertam violentamente a etnicidade dos moradores. A narrativa do marco de touros sendo replicada como um grande e milagroso fato que está na ponta da língua de qualquer um(a) que se pergunte e que não se questiona.

Observando todos os lados, é triste ver esses cenários que vão para além de onde estávamos. Aldeias que passaram a ser vilas e depois cidades ainda atravessadas pelas incansáveis práticas colonialistas que insistem em nos engessar na condição de beradêros atemporais deslocados de si. Distante de ser uma utopia, não é impossível enraizar novamente os desenraizados.

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR.


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).