Fábio de Oliveira

26/05/2023 06h13

 

O mito da acessibilidade

 

Muitos eventos, projetos culturais e até instituições e secretárias públicas falam tanto em sustentabilidade, diversidade e acessibilidade que não tardamos para perceber que são apenas discursos e palavras prontas e ensaiadas para aparentar um engajamento cheio de superficialidades. E no texto de hoje, evidencio sem muito arrodeio essa prática que não deveria ser comum.

Durante o mês de março, aconteceu uma chamada pública para uma mostra de produções audiovisuais em um evento intitulado Jornada em Cena organizada pelo Departamento de Comunicação da UFRN e Instituto e Estúdio de Criação CasaDágua. Até aí tudo bem, sendo assim um caminho para visibilizar produções universitárias e outras fora da academia. Na época em que fui estudante de graduação do curso de audiovisual no mesmo departamento, nunca aconteceu algo que pudesse visibilizar os trabalhos realizados com tanto empenho que aconteciam sem grandes apoios.

A equipe do documentário Warao: tecendo diálogos de igualdade, do qual também fiz parte da direção, foi comunicada da aprovação nesta seleção. Sendo assim, no final do mês de abril, ocorreu um evento em um conhecido shopping de Natal/RN, que inclusive foi fomentado pela prefeitura e um dos órgãos pertencentes ao sistema S para exibir as obras selecionadas.

A divulgação e as ideias disseminadas pareciam comprometidas com o que verbalizavam em discursos, materiais gráficos digitais e impressas. Além do cenário artificial ecológico dentro de alguns m² do shopping e tecnologias de realidade aumentada, dos quais serviram como um bom entretenimento para o público visitante. Mas mesmo com tantos instrumentos não foi bem assim que operou na prática para acessibilidade.

Começando pelo acesso ao local do evento, no que tange a mobilidade urbana. Alguém que mora na periferia nem ao menos conseguiria e nem conseguiu chegar ao local por não ter transporte coletivo que chegasse ao local no horário da noite, imagine para voltar para casa. Outro ponto foi para entrar no evento, que era preciso ter um celular com internet para baixar um aplicativo para cadastro. Por pouco neste dia, esqueci meu celular, mas pensei: pessoas que não tem celular e internet móvel seriam barrados na entrada? Certamente sim!

Sobre a exibição das produções audiovisuais, faço uma repetitiva pergunta até retórica: foi feito por quem para quem? Um dos pontos mais graves foi a ausência de acessibilidade de algumas obras, com exceção do documentário Warao: tecendo diálogos de igualdade que contemplou legenda em português e libras. A minha afilhada Gigi que tem uma limitação auditiva não conseguiu acessar esses conteúdos, assim como certamente outras pessoas, inclusive eu, minha companheira Ana Paula Campos e Gigi que nem ao menos conseguiu assistir as exibições, por haver pessoas em pé na frente da projeção tirando fotos para publicar nos stories de redes sociais, até mesmo o próprio organizador do evento.

Pensar em acessibilidade é ir além do uso da palavra em discursos enfeitados, as pessoas querem ver e sentir isso na prática quando tentam acessar seus direitos, seja no direito de ir e vir, seja em consumir produtos da indústria cultural e tantos outros pontos. A responsabilidade precisa ser tensionada por todos os que utilizam nossas verbas para promover eventos em que o acesso é segregado e padronizado.

Nesse texto de hoje foram tantos “dades” que adianto que o próximo texto será continuidade.

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR.


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).