Eliade Pimentel

24/12/2020 13h35
 
Dezembro e a velha ansiedade do fim do ano
 
Ao fechar a casa terça-feira, para ir trabalhar, e olhar a bagunça residual ativada no final de semana, senti uma leve angústia por já estar se aproximando do último dia do ano e eu não ter conseguido cumprir metas simples, como manter meu espaço, que é tão pequeno, devidamente organizado. Imediatamente pensei que precisava fazê-lo o quanto antes, pois até então minha intenção era virar o ano com o meu cantinho bem bonitinho, como uma casinha de bonecas. Saí na intenção de voltar para casa à noite e me desdobrar, fazer tudo o que não fizera até então.  
 
Pelo menos, o que é da minha competência, pensei, como dona de casa e residente praticamente única nesse espaço, que eu gosto de chamar carinhosamente de Casinha da Escritora na Chácara. Pois bem. Encaminhei-me ao ponto de ônibus matutando sobre aquelas exigências as quais eu estava me impondo. Durante o trajeto, fui desanuviando e concluí que, da mesma forma que não precisamos de um dia específico para começar um novo ciclo, como a famosa segunda-feira para a dieta e os exercícios físicos, também não deveríamos ter um período determinado do ano para ter cumprido metas do cotidiano, como arrumar a casa.  
 
Acabou que por motivos pessoais precisei desviar do retorno, programado para a noite, e tudo continuou no mesmo lugar. Coisas desorganizadas, empoeiradas, roupas para recolher, guardar, doar, consertar; lixo reciclável para dispensar; livros para ler e outros para encaminhar à doação; prateleiras para colocar no lugar; aparelhos eletrodomésticos para consertar ou dar um destino ecologicamente correto. Ah, sem falar no jardim que precisa de um olhar carinhoso e de uma mão enérgica; da horta suspensa que precisa ser refeita, etc e tal.    
 
O fato de eu ter “relaxado” por assim dizer não significa que tenha me acomodado, ou considerado que não moverei uma palha dia nenhum e que deixarei tudo como está, por fazer. Nas horas em que fiquei pensando sobre o assunto que estava me incomodando, ou seja, aquela desorganização resultante de horas proscrastinando no sofá, ou fazendo qualquer outra coisa que não tenha sido arregaçar as mangas e partir para o “do it yourself” - ou em bom português - faça você mesmo, eu comecei  a pensar no outro lado da moeda.  
 
Que eu conseguira manter pelo menos a roupa limpa mais ou menos em dia, que eu consegui pintar a casa (faltam alguns detalhes, mas vamos continuar nessa pegada, de organizar o lar, pois não abandonei o barco), que eu tenho conseguido cuidar dos meus gatos, que eu tenho dado o melhor de mim no trabalho, que eu tenho conseguido fazer umas caminhadas de vez em quando, que eu tenho conseguido tomar minha água de limão quase que religiosamente, e por aí vai. Não fiz isso ou aquilo, mas fiz uma série de coisas que me mantêm viva e confiante de que estou no rumo certo.  
 
Se não será até o dia 31 de dezembro que meu cantinho ficará todo organizadinho, que minhas leituras ficarão em dia, que as coisas as quais não uso terão o seu destino correto. Que seja em algum dia. Ou que não seja dia nenhum. Porque pelo que eu me conheço, eu sempre terei um livro o qual não li ainda, sempre terei algo a descartar, visto que todo dia eu uso algo, ou ganho algo, ou me deparo com algo no meu caminho. E o mais importante, continuei confiando em mim mesma e na minha determinação de continuar dando cada passo no seu tempo, no seu dia, na sua hora.  
 
Então, juntando tudo isso com umas demandas no trabalho, com assuntos pessoais, com preocupações maternais, lembrei-me de que todo final de ano eu fico com a ansiedade a mil. Será que vou ter dinheiro? Será que minha filha vai querer ir para alguma festa de revéillon com amigos? E se ela vier com essa ideia, será que eu devo deixar? E se acontecer alguma coisa? O povo adora ficar loucão no último dia do ano, eu mesma já fiquei loucona várias vezes nas festas de fim de ano. E ainda tem outro fator, será que o namorado vai querer passar as festas comigo?  
 
E fiquei juntando uma coisa e outra e me questionei: por que me submeto a essa agonia? Por que mesmo sem me considerar consumista, gosto de pegar algum dinheirinho que recebo no fim do ano e gastar despretensiosamente? Por que não pensar, simplesmente, que esses dias atribuídos às chamadas “festas de final de ano”, 24 e 25 e 31 e 01, não sejam apenas dias comuns, que são intercalados com dias de trabalho intenso para uns, ponto facultativo para outros, mas não deixam de ser dias com as mesmas 24 horas dos demais?  
 
E foi com esse raciocínio que eu respondi com toda segurança para uma amiga, mãe de três meninas, ou seja, com demandas domésticas quadruplicadas, que me falara de uma crise de sinusite recorrente todo final de ano. Eu lhe disse que esse problema deve ser consequência da ansiedade causada pelo mês de dezembro e a proximidade de encerramento daquilo que foi convencionado por nós ocidentais como um ciclo. Sim, levando em conta que existem o “ano chinês”, o “ano hebraico” e outros calendários, é uma convenção mesmo o nosso ano ocidental, que tem 12 meses e começa dia 1º de janeiro e termina dia 31 de dezembro.  
 
Essa prostração ou sensação de impotência que cada um sente – e de maneiras diferentes - é como se o organismo desse um susto na gente para alertar: ei moça, ei rapaz, se toque, não se cobre tanto, você não é super-herói, ou super heroína. O que você não fez hoje, faça amanhã ou não faça nunca. Quando esses festejos passarem, seja você sozinho, em família ou com amigos, o dia seguinte será somente mais um dia. O mundo ainda não acabou e todos nós teremos tempo para continuarmos. As forças, buscaremos renovar cada qual ao nosso modo. Em suma, Deus proverá.  
 
Deus, e quem é esse? Considere Deus a força que te conserva em pé e olhe com ternura para a bagunça que você não organizou. Ela é a prova de que você e eu continuamos vivos. E nesse ano de pandemia, teve gente que não vai poder voltar para continuar a luta eterna que é tentar manter as coisas no seu devido lugar.  
 

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