Hugo Manso

Engenheiro e professor do IFRN - Presidente do Conselho Curador da FUNCERN

01/11/2023 09h37

 

Compras Governamentais

O Programa de Aquisição de Alimentos – PAA

 

As compras governamentais existem desde quando existem os governos. Elas podem ser regulamentadas ou não, mas acontecem. No caso do Brasil, o primeiro registro de organização de compras públicas (governamentais) se deu no Império, através do Decreto n° 2.926/1862, que “Aprova o regulamento para as arrematações dos serviços a cargo do Ministério da Agricultura, Commercio e Obras Públicas”. Em 1922, é organizada a contabilidade da União e, novamente por decreto, o país vai definindo métodos e procedimentos.

As atuais compras públicas brasileiras têm como marco de referência, o Decreto n° 2.300/1986 que institui o “Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Administrativos”.

Contudo, a maioria da população brasileira, tem passado sem segurança alimentar, pouco acesso a bens de consumo, moradia e mesmo dignidade em seu trabalho. Os governos pouco fizeram para eliminar a fome e a sede de nosso povo. Com a urbanização acelerada, a fome e a ausência de água tratada atingem em cheio as periferias das grandes cidades. No final do século XX as iniciativas de enfrentamento ainda estavam por conta da solidariedade e do filantropismo. A “Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida”, do sociólogo Herbert de Souza, foi a mais destacada.

Betinho, “o irmão do Henfil”, mobilizou a opinião pública brasileira entre 1993 e 1997. Nessa época foram registradas 32 milhões de pessoas com fome em sua maioria no Norte e Nordeste. Com a vitória do Presidente Lula em 2002 uma nova concepção é adotada.

Em julho de 2003, a Lei n° 10.696, em seu artigo 19 cria o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O fortalecimento da agricultura familiar e a promoção do acesso à alimentação são as duas finalidades básicas do mesmo.

“Art. 19. Fica instituído o Programa de Aquisição de Alimentos com a finalidade de incentivar a agricultura familiar, compreendendo ações vinculadas à distribuição de produtos agropecuários para pessoas em situação de insegurança alimentar e à formação de estoques estratégicos.

§ 1° - Os recursos arrecadados com a venda de estoques estratégicos formados nos termos deste artigo serão destinados integralmente às ações de combate à fome e à promoção da segurança alimentar.

§ 2° – O programa que trata o caput será destinado à aquisição de produtos agropecuários produzidos por agricultores familiares que se enquadrem no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, ficando dispensada a licitação para essa aquisição desde que os preços não sejam superiores aos praticados nos mercados regionais.”

Inserido no âmbito do Programa Fome Zero, muito mais que uma declaração de propósitos, essa iniciativa – apresentada por projeto de lei, e não por decreto – alterou significativamente o papel da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento), fortaleceu sobre maneira as ações do INCRA, do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, da Assistência Técnica e Extensão Rural e das Secretarias Estaduais de Agricultura familiar.

Ao longo de uma década e meia, o governo federal fez importantes investimentos e criou outros programas que, em diálogo com o Fome Zero, retiraram o Brasil do mapa da fome. Contudo o “impeachment” da Presidenta Dilma trouxe entre outros retrocessos, a volta do Brasil ao mapa mundial da fome.

Agora em agosto/23, o presidente Lula lançou o Plano Brasil sem Fome, retomando a luta que precisa ser vencida por todos e por todas. Vivemos em um país aonde mesmo quem planta sofre com insegurança alimentar. Os povos originários, legítimos donos das terras demarcadas, vivem situações absurdas com miséria, desnutrição e doenças como a nação Yanomami.  

O Programa de Aquisição de Alimentos é uma política pública que se insere nessa luta. Busca promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar. O programa contribui para a formação de estoques públicos, através da CONAB e por cooperativas de produtores. Assim, potencializa redes de comercialização e a economia solidária. Incentiva a produção orgânica, estimula hábitos alimentares saudáveis, fortalece a organização, o cooperativismo e o associativismo no campo e nas cidades.

Essa política somou-se ao Luz para Todos, aos financiamentos do PRONAF, ao Minha Casa Minha Vida, ao Farmácia Popular, ao Mais Médicos e a Bolsa Família para, entre 2003 e 2014, iniciar a estruturação da vida no campo e nas periferias das grandes cidades com mais dignidade.

Para simplificar a compra de alimentos, produzidos pela agricultura familiar, o programa dispensa licitação. Após a aquisição, os alimentos são destinados a pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. Por exemplo, em uma comunidade produtora de feijão, milho e mandioca, muitas vezes falta arroz, açúcar, café e proteína animal. O PAA ao mesmo tempo que organiza a produção da mandioca e seus derivados, pode levar na forma de compra com doação simultânea itens produzidos em outras comunidades.

Assim as escolas, os hospitais, as creches e os asilos são os receptores dos produtos. O orçamento do PAA é composto por recursos do Ministério da Cidadania.

A execução do programa possui 06 modalidades:

  1. Compra com Doação Simultânea,
  2. Compra Direta,
  3. Apoio à Formação de Estoques,
  4. Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite,
  5. Compra Institucional,
  6. Aquisição de Sementes.

Conheço experiencias interessantíssimas: a produção de bolos caseiros, cuscuz e tapioca por mulheres que levaram esses produtos para a escola da sua comunidade. Grupos de idosos em situação de vulnerabilidade, grupos de diabéticos e hiper tensos organizados pelo PSF que receberam alimentos processados na própria comunidade com orientação nutricional.

E os produtores, cadastrados pelo PAA, mediante a apresentação do CPF no correspondente bancário foram remunerados. Esse arranjo dinamizou a criação de galinhas, de ovinos, caprinos e bovinos. Potencializou a educação alimentar, desenvolveu o associativismo e fortaleceu a agricultura familiar. Infelizmente entre 2016 e 2022 houve um enorme desmonte dessas políticas públicas. O que levou mais de uma década para ser organizado e que ainda não se encontrava plenamente desenvolvido foi desmontado em pouco tempo.

Hoje, com mais experiência o governo federal busca retomar o Programa de Aquisição de Alimentos. Já vemos a instalação de poços com bombeamento através da energia solar. Retoma-se plantio orgânico em quintais, tornando-os produtivos e fazendo um segundo uso da água utilizada na casa. A prática da alimentação todos os dias, o consumo das hortaliças, frutas e verduras.

A nova configuração do PAA visa não apenas reeditar o que já foi feito, mas ampliar. Aqui no Rio Grande do Norte o Programa Estadual de Compras Governamentais da Agricultura Familiar – PECAFES - instituído pela Lei n° 10.536 de autoria da Deputada Isolda Dantas tem possibilitado não apenas a aquisição de 30% dos alimentos da merenda escolar, prática já consagrada em todo país. Hoje hospitais e outros equipamentos públicos podem comprar o arroz vermelho (arroz da terra) de Apodi, o feijão macassar, a farinha de mandioca, as polpas, as frutas e as verduras produzidas na agricultura familiar.

Vida longa e maior divulgação do Programa de Aquisição de Alimentos em todo Brasil.  

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR.


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).