Hugo Manso

Engenheiro e professor do IFRN - Presidente do Conselho Curador da FUNCERN

29/11/2023 09h22

 

Imagina o Nordeste chovendo com regularidade

 

Desde agosto de 2023 tenho escrito nessa coluna do Portal Potiguar Notícias. Falei do próprio portal, sua importância e história. Falei da comunicação popular e da educação profissional e tecnológica, do iFRN, seus eventos e importância. Relatei alguns conceitos sobre fundações, sobre cooperativismo e sobre políticas públicas, em especial falei do Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA.

Sempre me referenciei em legislações, datas históricas e fiz citações contextualizadas. Procurei dar cunho científico aos artigos que são jornalísticos, escritos por um engenheiro mecânico que trabalha com a educação profissional e tecnológica.

Segunda feira, dia 27 de novembro, acordei cedo e viajei de Natal para Serra de São Bento e Monte das Gameleiras. Sentindo as chuvas que caem no nordeste brasileiro, ouvindo os trovões em Passa e Fica e vendo relâmpagos em Goianinha, já no retorno, fiz outra viagem. Uma viagem sem bases científicas, mas com muito desejo de melhorias.

Na letra de Ivanildo Vila Nova, o poeta fala “imagine o Brasil ser dividido e o Nordeste ficar independente...”. Não foi essa minha “viagem”, mas ao presenciar chuvas no agreste potiguar no final de novembro, em pleno período da estiagem, viajei na ideia de um Nordeste com chuvas regulares, todos os meses do ano.

Vamos imaginar que no conjunto das mudanças climáticas, a natureza nos coloque noutro patamar pluviométrico. Imaginemos mudanças positivas no semiárido nordestino hoje “caracterizado por um conjunto de períodos com balanços hídricos negativos, resultantes da precipitação média anual inferior a 800 mm, insolação média de 2.800 horas por ano e umidade relativa anual média em torno de 50%” (MOURA et al., 2007). Mas, o filho de São José, “el niño, pode alterar seus parâmetros.

Nessa loucura que se encontra o planeta, vamos torcer (e ajudar um pouco também, né?) para que o ponto de equilíbrio seja de tal forma que o nosso semiárido passe a ter chuvas regulares, todos os meses.

Se com chuvas muito irregulares mantemos uma imensa produção de alimento em sequeiro, do leite ao milho e feijão, imaginem com outro regime de chuvas. Chovendo regularmente “tome” tilápias, porcos, leite, carne e queijo. Mandioca, feijão macassar e jerimum. Imaginem como ficaria a cajucultura, que salto alimentar poderíamos ter com plantio em larga escala de milho, feijão, frutas diversas, hortaliças, macaxeira, mandioca, inhame, batata e forragem animal... Pense no incremento da produção de mel de abelhas com chuvas mais regulares. O arroz vermelho do Apodi com uma irrigação apenas complementar, assim como toda fruticultura hoje 100% irrigada. E a cana de açúcar? podendo ser cultivada no sertão. Eita, como iríamos produzir “pingas” de qualidade ...

Claro que teríamos contratempos. Natal deixaria de ser chamada “Cidade do Sol”, mas como é gostoso tomar banho de mar com chuva, lembram? 

Então vamos rogar preces ao menino filho de São José, padroeiro das boas chuvas. O que não podemos pedir ao niño são os eventos extremos. Esses a caatinga não aguenta. Nosso solo não suporta chuvas intensas como as dessa semana em Natal, São José do Mipibu, Brejinho, Extremoz e outros locais. Mas, com chuvas regulares, o colorido diversificado das flores que brotam durantes as poucas chuvas atuais, deixariam a caatinga linda o ano inteiro. “Uma semana santa permanente no sertão... Que coisa linda, que beleza”.

Perderíamos o cinza (também muito bonito, porém duro para a reprodução da vida animal) e o aspecto agressivo da vegetação. Mas sem dúvidas teríamos mais ganhos.

Necessário pensar a estrutura das estradas, das cidades e das comunidades ribeirinhas. O povoamento no Brasil se deu inicialmente na faixa litorânea e interiorizou-se seguindo os cursos dos rios e procurando as lagoas. A água sempre presente na organização da vida humana e animal.

Expresso aqui, de forma simplificada, um desejo imenso de vermos um regime de chuvas que possibilite a regularidade da produção agrícola e pecuária. Mas infelizmente não é esse o cenário mais provável. Pelo contrário. Tudo quanto a ciência nos sinaliza vai no sentido da ampliação dos evento extremos. Todos nós temos lido, estudado e nos preocupado com as mudanças climáticas em curso no planeta. Os eventos extremos nos trazem imensas dores e prejuízos econômicos.

E, diga-se de passagem, que desde 1992 as Conferências das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento vem denunciando as agressões ambientais em larga escala no planeta. Sim, precisamos lembrar a ECO-92 conhecida como Cúpula da Terra realizada no Rio de Janeiro que reuniu chefes de Estado e representantes de 179 países além de organismos internacionais, ONGs e presença direta da população.

Até parece que foi ontem, mas desde 1992 já se passaram três décadas e o que de verdade foi produzido?

Parnamirim, por exemplo, em 1991, 63 mil habitantes. Hoje chegando aos 300 mil habitantes. Extremoz, Monte Alegre, Macaíba e São Gonçalo do Amarante vão no mesmo ritmo. Natal deixou de ser uma cidade única e se constituiu como metrópole. E o que as gestões municipais ao longo desses trinta anos produziram? Como está a infraestrutura de drenagem? Como estão nossas praias, rios, mangues e lagoas? Como está sendo o deslocamento das pessoas na região metropolitana? E as moradias?

Essas três décadas produziram concentração humana, metropolização da vida, mais violência, mais resíduos sólidos e muito menos qualidade de vida. Ou mudamos o modelo de urbanização ou seremos “engolidos” pelo gigantismo das cidades. E esse debate tem tudo a ver com o regime de chuvas. Mais uma vez vem o desejo de chuvas regulares que melhora a qualidade de vida não apenas no campo e nas pequenas cidades. Reduzir as emissões de carbono é o caminho par evitar os eventos extremos como ocorridos essa semana na região metropolitana de Natal quando atingimos pela primeira vez a maior marca de chuvas em 24 horas no Brasil.

Novamente, como na RIO 92, os dirigentes políticos do planeta estão reunidos em torno do tema ambiental. Nesse 30 de novembro inicia-se nos Emirados Árabes a 28° Conferencia do Clima da ONU. Desta vez com mais de 200 países representados para debater e “coordenar ações globais climáticas”. Em resumo, a pauta abordará:

# A transição para energia limpa, com objetivo de acelerar a transição energética e cortar as emissões de carbono. Meta de limitar, em 2030, o aquecimento global em 1,5° C acima dos níveis anteriores à revolução industrial;

# Colocar a natureza, as vidas e os meios de subsistência no centro das ações climáticas, incluindo auxílios para que os mais vulneráveis se adaptem as mudanças que já estão ocorrendo;

# Acordo de financiamento visando tirar do papel velhas promessas e construir um novo acordo de financiamento de ações climáticas;

# Mobilizar opinião pública e governamental para garantir que as decisões, discussões e a implementação das soluções sejam verdadeiramente inclusivas e feitas em colaboração com os Povos Indígenas e as comunidades locais.

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR.


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).