Hugo Manso

Engenheiro e professor do IFRN - Presidente do Conselho Curador da FUNCERN

03/01/2024 08h23

 

Por uma gestão democrática e popular em Natal

 

A cidade do Natal vivenciou sua primeira eleição direta para a Prefeitura em 1960. Deste então, diversos gestores e duas gestoras estiveram à frente da administração municipal. Nas últimas décadas tem se revessado populistas, liberais e gestores de direita.

Com a proximidade de novas eleições municipais, precisamos pensar, propor e executar mudanças profundas em nossa “Cidade do Sol”. Tão linda, tão querida, mas tão mal cuidada.    

Revisitando os gestores, as gestoras e suas orientações políticas mais gerais, podemos refletir um pouco a cidade que temos, sinalizando para a cidade que queremos.

 O ano de 1960, com a primeira eleição direta para a Prefeitura, é nosso ponto de partida. São seis décadas vividas e uma nova em curso que construíram a atual configuração política e administrativa da cidade. Ao longo desses anos, diversas gerações aqui nasceram. Muitos e muitas aqui chegaram e aqui vivem e se amam.

Começamos com Djalma Maranhão. Professor de educação física e jornalista que na juventude militou no Partido Comunista Brasileiro. Eleito deputado estadual (1954) e nomeado prefeito (1956) pelo Partido Trabalhista Nacional, foi eleito Prefeito de Natal em 1960, com 66% dos votos. Filiou-se em seguida ao Partido Socialista Brasileiro.

Preso e cassado pela ditadura militar em 02 de abril de 1964, exilou-se no Uruguai onde morreu, em 1971, aos 55 anos. Sua segunda gestão à frente da Prefeitura ficou marcada pela “Campanha de Pé no Chão, também se Aprende a Ler” e pela participação popular. O Almirante Tertius Rebelo, nomeado interventor, concluiu o período do mandato.

Nas eleições de 1965, Agnelo Alves, jornalista, irmão e assessor do líder populista e ex governador Aluízio Alves, foi eleito prefeito pelo Partido Social Democrático (PSD) com 60% dos votos. Nesse período foi elaborado o Plano Urbanístico de Desenvolvimento de Natal. A cidade sofreu importantes alterações, como a retirada do mercado público da avenida Rio Branco, na Cidade Alta, aonde foi construída a sede do Banco do Brasil.

Cassado pelo AI-5 em 1969, foi preso e seu vice, Ernani da Silveira assumiu, concluindo o mandato. Em seguida a Prefeitura de Natal e demais capitais brasileiras passaram a ser administradas através de nomeações dos governadores. Foram prefeitos biônicos: Ubiratan Galvão, Jorge Ivan Cascudo, Vauban Bezerra, José Agripino Maia e Marcos Formiga. A capital do estado passa a funcionar como se fosse uma secretaria do governo estadual.

Os destaques do período são, por um lado, a repressão ao movimento estudantil secundarista e ausência de organização social na cidade. Por outro lado, as construções dos conjuntos habitacionais. Ponta Negra, Potilândia, Candelária e Cidade Satélite na zona sul. Potengi, Nova Natal, Parque dos Coqueiros na zona norte. Período de grande êxodo rural e crescimento acelerado da população, destacadamente na zona norte da cidade. Em 1974, na administração de Jorge Ivan, foi elaborado o 1° Plano Diretor da Cidade, revisado em 1984 na gestão Marcos Formiga.

Registro para a gestão de José Agripino Maia (1979-1982). Filho do ex governador biônico Tarcísio Maia e sobrinho do então governador, também indicado pela ditadura militar, Lavoisier Maia. Foi nomeado Prefeito com objetivo explícito de disputar o governo do estado em 1982.

Com o fim da ditadura, em 1985 aconteceram eleições diretas para as Prefeituras das capitais e áreas de segurança nacional. O advogado e deputado estadual Garibaldi Alves Filho do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) foi eleito com 53% dos votos. Registre-se que foi uma eleição “solteira”, única no estado e sem disputa para a câmara dos vereadores, que manteve a mesma composição das eleições de 1982. Com o ambiente nacional da “Nova República”, seu governo foi marcado por forte expectativa de mudanças, que entretanto não ocorreram.

Em três anos de gestão fica o registro da criação das secretarias municipais de saúde e de cultura (uma reivindicação do movimento organizado de teatro amador). Contraditoriamente, nessa mesma gestão, o Teatro Sandoval Wanderley quase caiu na cabeça da trupe do “Alegria Alegria”, principal grupo de teatro de rua da história natalense.

A Nova República e o PMDB, que se proponham a mudar a política nacional, contribuíram para derrotar o clã Maia no governo do estado, através da eleição de Geraldo Melo (ex vice governador de Lavoisier Maia), em 1986. Contudo, tanto com Garibaldi na prefeitura, como com Geraldo no governo e com José Sarney no Planalto, não foram alterados os padrões governamentais do período militar. Os Maia voltam ao governo do RN em 1990, sobrevivendo aos “novos tempos e aos novos ventos...”    

Em 1988, a ex primeira dama e deputada federal do Partido Democrático Social (PDS), braço partidário da ditadura, Vilma Maia, que havia disputado contra Garibaldi as eleições em 1985, filia-se ao Partido Democrático Trabalhista (PDT, liderado por Leonel Brizola). Em disputa de turno único, vence o filho de Aluízio Alves, Henrique Eduardo Alves. Primeira mulher eleita para a Prefeitura de Natal, fez uma gestão populista, aonde pouca diferenciação do governo Garibaldi Alves pode ser registrada.

Foi criada a Guarda Municipal e fechada a Secretaria Municipal de Cultura. O “Teatrinho do Povo” (Sandoval Wanderley) foi reconstruído com muitas fragilidades. A “participação popular” se deu através da cooptação das “lideranças comunitárias”, instrumento desenvolvido ainda no governo de José Agripino, de quem copiou métodos e práticas.

Buscou o embelezamento seletivo da cidade, com destaque aos canteiros das avenidas da zona sul.

Em 1992, novamente Henrique Alves apresenta-se como candidato, agora pela oposição. Sua irmã gêmea Ana Catarina também foi candidata, com o apoio dos Maia. Vilma, em sua trajetória de afastamento do conservadorismo, havia rompido com o clã Maia. Sugere uma aliança com o Partido dos Trabalhadores através de Salomão Gurgel. Ex Prefeito de Janduís pelo PMDB, Salomão filiou-se ao PT e foi candidato ao governo em 1990 com excelente desempenho. A proposta seria uma chapa PT/PSB com apoio de setores conservadores como o ex Senador Carlos Alberto. Não havendo entendimento, Salomão rompe com o PT e Aldo Tinoco, secretário de urbanismo da gestão Vilma, assume a candidatura. O PCdoB indica Eveline Guerra como vice e o PT apresenta a candidatura do Deputado Estadual Junior Souto.

Aldo Tinoco, bastante desconhecido do eleitorado natalense, salta do 1° para o 2° turno de 27% para 50,2%. Vence Henrique Alves por menos de mil votos. Em uma gestão positiva no item saneamento básico, Aldo que havia sido assessor de gestões petistas em São Paulo não teve apoio parlamentar e nos dois últimos anos sua gestão sofreu grande isolamento e desgaste.

Em 1996, a recém eleita deputada estadual Fátima Bezerra com o slogan “Só tem Ela para Mudar”, envolveu toda uma militância popular, estudantil e sindical da cidade, passando para o 2° turno por uma pequena margem. Em nova disputa acirradíssima, Vilma (já não mais “Maia”, agora Vilma de Faria) vence as eleições com 51,6% superando Fátima em 8 mil votos. Reeleita em novo confronto contra Fátima em 2000, Vilma de Faria renuncia a prefeitura em 2002 para disputar o governo do Estado.

Vitoriosa nas eleições municipais de Natal em 1988, 1992, 1996 e 2000, Vilma estabeleceu uma hegemonia política e eleitoral na capital do RN. Nas eleições para governadora em 2002, contando com o apoio do ex prefeito de Natal e então prefeito de Parnamirim, Agnelo Alves, pai de seu vice Carlos Eduardo Alves. Vilma surpreende e chega ao segundo turno.

Já filiada ao PSB de Miguel Arraes, Vilma apoiou Lula no 2° turno e recebeu o apoio do PT do RN. Vitoriosa é a primeira mulher eleita governadora do RN.

Em 2004 mais uma vez Fátima Bezerra apresenta-se como candidata a Prefeita de Natal, contra o então gestor e candidato à reeleição Carlos Eduardo do PSB.

O PT, grande vitorioso nacional em 2002 e Fatima, já deputada Federal, sofrem enorme derrota, estabelecendo-se uma disputa de 2° turno entre Carlos Eduardo e Luiz Almir. A vitória do PSB reafirmou a hegemonia política e eleitoral de Vilma de Faria, madrinha política de Carlos Eduardo.

Com estilo semelhante e contando com a parceria política e administrativa com a governadora Vilma, Carlos Eduardo conclui seu segundo mandato sem maiores registros de inovação, mas contando com apoio administrativo dos governos Lula e Vilma. Maior obra desse período, a Ponte Forte – Redinha teve sua construção iniciada em outubro de 2004 e conclusão em 2010.

Em 2008, sob as orientações do Presidente Lula, aliam-se em Natal o presidente do senado, ex prefeito e ex governador Garibaldi Alves, a então govenadora, ex prefeita Vilma de Faria, o Prefeito Carlos Eduardo e o líder do PMDB na Câmara Federal Henrique Alves. Fátima Bezerra é, pela quarta oportunidade, candidata à Prefeitura do Natal.    

Micarla de Souza, apresentadora de TV, filha do parlamentar populista Carlos Alberto e então vice prefeita da cidade, é eleita no 1º turno com 50,84% dos votos. Desastre total e completo. Cidade tomada por lixo e descasos administrativos. Cassada no final do mandato, seu vice Paulinho Freire assumiu e renunciou em seguida ficando a Prefeitura por dezoito dias sob o comando do então vereador Ney Lopes Junior.

Em 2012, sob os escombros da administração falida de Micarla e Paulinho, Carlos Eduardo retorna. Vence em 2° turno com 58% dos votos, contra o deputado estadual Hermano Morais, que superou a candidatura do deputado estadual Fernando Mineiro por poucos votos. Em 2016 é reeleito em 1º turno renunciando ao mandato em 2018 para candidatar-se ao Governo do Estado, quando é derrotada por Fatima Bezerra.

Assume seu vice Álvaro Dias que é candidato à reeleição em 2020 e vence no 1º turno.

Nesse período, que vai de 2002 até hoje, Carlos – Micarla – Carlos – Álvaro abandonaram o estilo populista de governar, mantendo no principal o “estilo Vilmista”.

Carlos apesar de ser Alves da gema, esconde seu sobrenome. O Clã Maia que teve em José Agripino o mentor político de Micarla, já não tem a mesma presença na cidade. Álvaro chega à prefeitura como indicação de Henrique Alves, mas acaba seguindo em carreira solo.

O “estilo Vilmista de governar”, com pequenas variações, permanece em Natal. Certa visibilidade à cultura; ampliação do Carnatal; retomada do Carnaval de Rua, a partir de iniciativas próprias dos blocos e dos foliões. Muita terceirização nos serviços públicos, nenhuma participação popular e muita manipulação da Câmara Municipal.

Todos eles (Carlos – Micarla – Carlos – Álvaro), sucessores de Garibaldi e Vilma, mantiveram uma cidade apartada.  Zonas Norte e Oeste por um lado, e partes da Leste e da Sul melhor assistidas.

Álvaro erra muito na saúde, em especial na pandemia. Esvazia a educação pública da cidade e leva o transporte coletivo ao pior nível desse século.

Como exemplos de assistência dirigida e seletiva temos a iluminação pública, os polos carnavalescos, a decoração natalina e os atuais asfaltamentos e melhorias das calçadas em áreas próximas à Arena das Dunas. Para dizer que a zona norte existe, Álvaro e as emendas parlamentares, fazem dois importantes investimentos. Na Redinha e na Ponte de Igapó.

A ausência de conexão de redes – um claro direito de cidadania expresso a partir da pandemia – se contradiz com a publicidade da Prefeitura e seus parceiros empresariais. Assim os eventos de “Cidade Inteligente”, a defesa da criação do “Parque Tecnológico” e as iniciativas “empreendedoras”, são verdadeiros discursos de fachada.

O “embelezamento seletivo” da cidade, torna-se mais sofisticado com o “entretenimento da opinião pública”, segmentando e apartando ainda mais a cidade e sua população.

À difícil e penosa travessia sobre o Rio Potengi, soma-se ao péssimo sistema de transportes coletivos e ao aumento da violência urbana. A fragilidade da educação infantil e uma descontinuidade dos serviços públicos na saúde básica, pontuam essa rápida avaliação.

O lazer e o esporte amador e mesmo o profissional se deterioram assim como a falta de drenagem, arborização e parques urbanos. A cidade vive um imenso abandono das comunidades históricas e tradicionais. Rocas, Ribeira, Cidade Alta, Alecrim, Quintas, Bom Pastor, Felipe Camarão, Cidade Nova, Nova Cidade, Guarapes, Planalto, Vila de Ponta Negra, Mãe Luiza e toda Zona Norte.

A integração com a região metropolitana nunca aconteceu, apesar de legislação específica sobre o tema. É evidente a necessidade de políticas públicas unificadas, pelo menos, entre Natal – Macaíba – São Gonçalo – Parnamirim e Extremoz.

O que nos resta?

As praias e os calçadões sujos sem acessibilidade ou banheiros. Os rios Pitimbu, Potengi e Doce poluídos, assoreados e abandonados. As Lagoas ocupadas irregularmente. Os prédios históricos demolidos, como o hotel dos Reis Magos, casas seculares na Cidade Alta, Tirol e Petrópolis.

A cidade literalmente cresceu de costas para o Rio Potengi e seu porto fluvial. O trem urbano, apesar de esforços pontuais do governo federal, não dialoga com possibilidades de transporte de passageiros. A via fluvial nunca utilizada e os ônibus a cada momento mais e mais sucateados.

A cidade se “Uberiza”. Se enche de motos, engarrafamentos e acidentes. O turismo cada vez mais sendo superado por cidades vizinhas. Poucas perspectivas de retomada. Via Costeira, Ponta Negra, Praia do Meio e Redinha, nosso belíssimo e curto litoral, cedeu espaços para Pipa, São Miguel do Gostoso, as Serras Potiguares, João Pessoa e Fortaleza...

Ficamos na expectativa de uma mudança profunda no modelo de gestão.

Que venha 2024

 


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