Hugo Manso

Engenheiro e professor do IFRN - Presidente do Conselho Curador da FUNCERN

17/01/2024 10h12

 

Um pouco do Carnaval em Natal

 

O Carnaval em Natal tem raízes profundas. A cidade tem uma história de 150 anos de folia de momo, tradição que surge ainda no século XIX. Os registros apontam iniciativas carnavalescas em 1875 e se mantem presente com imenso potencial de lazer, cultura e arranjos econômicos.

Sim, as festas populares e o carnaval em especial, são impulsionadoras de elementos de uma economia criativa. Criativa e solidária, que precisa ser melhor assimilada e, em especial, estimulada pelo poder público.

Inicialmente na Ribeira, no Cais do Porto, as festas acompanharam o crescimento urbano da cidade ao longo do século XX. Seu berço, as Rocas; seu chão toda cidade; sua praça de desfiles iniciais a Ribeira.

Os estilos e as brincadeiras mudam. A alegria, o deboche, a irreverencia e a “rebeldia” se mantem.

Segundo registros do site https://fatosefotosdenatalantiga.com/a-historia-do-carnaval-em-natal/, tudo começa com “manifestações populares como os folguedos e o chamado entrudo, onde os foliões sujavam uns aos outros com farinha, areia e muitos baldes d’água.” 

Seguem-se os grupos de “Papangu”, os desfiles de automóveis em “Corso”, como uma festa de elite. Sempre em convivência, os eventos em clubes fechados e nas ruas, o Carnaval nunca deixou seu lado político, de protestos, de proposições e de “visibilidade” das pautas mais diversas.

Sim uma festa da diversidade e da alegria. Para conhecer e compreender melhor a história de nosso carnaval, o livro “Antigos Carnavais da Cidade”, do grande Gutemberg Costa, escritor e pesquisador soma-se ao esforço do Fatos e Fotos de Natal Antiga, fundado e administrado pelo jornalista e pesquisador Adriano Medeiros.

Não posso falar do carnaval em Natal sem a foto que segue do meu pai e minha mãe na Sede do ABC, antes mesmo de meu nascimento. Ainda seguindo o crescimento urbano da cidade, o carnaval segue em tempos de muito brilho na moderna sede do América Futebol Clube, aonde iniciei minha vivencia momesca.

Mas o tempo voa, passa por Blocos animados ao som dos instrumentos de sopro, puxados por alegorias e tratores. Acidentes e tragedias interrompem um movimento próprio da cidade. Mas o espirito folião, os desejos e as iniciativas não morrem. A Banda Gália, uma expressão da classe média da esquerda intelectualizada inaugurou outro estilo, já na década de 1980. Sempre nas ruas, nos becos, na Rua do Motor, em uma trajetória alternativa para ligar Petrópolis as Rocas e a Ribeira... Desfiles históricos, gritos de “Fora Ditadura”, manifestações contra a Prefeitura (“Avisa ao Formigueiro, vem aí Tamanduá...) deram o tom e o som da alegria em Natal. Nova tragédia e perdemos a Galia, mas não os Gauleses...

Já no século XXI, em 2004 o Cartunista e Jornalista Edmar Viana, convida um grupo de amigos e amigas para um papo em Ponta Negra. Estamos falando de um período em que o Carnaval de Natal acontecia em Recife e em Olinda. A rodoviária era o ponto de concentração dos blocos rumo a Macau, Barra de Maxaranguape, Pirangi, Caicó ...

O principal objetivo de Edmar e nossa trupe foi de promover um levante em prol da revitalização das manifestações populares. Essa ideia tomou força e reuniu um grupo de amigos e amigas moradores, veranistas e frequentadores de Ponta Negra.

Desde 2005 desfilamos nas ruas e avenidas do bairro de Ponta Negra, cumprindo inteiramente esse objetivo. Proporcionamos aos moradores e amigos de Natal, bem como aqueles que nos visitam uma alternativa alegre, espontânea, descontraída e familiar da folia que emerge no Carnaval.

Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo da velha cidade
Essa noite vai se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais

Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações

Dormia
A nossa pátria-mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações

Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais

E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval
O carnaval, o carnaval
(Vai passar)

Francis Hime / Chico Buarque

 No primeiro ano o bloco contou com o patrocínio da Secretaria Estadual de Turismo para a confecção dos Bonecos Gigantes, alusivos aos personagens que o denomina. Os Bonecos com assinatura de João Natal e Katia Pinheiro, tem cada um a caracterização do nome do bloco e de Ponta Negra. O Morro do Careca. Poetas como frequentadores que sempre tiveram a praia como inspiração. O Lobisomem e as lendas da vila, além da tradução das lutas feministas que embelezam o bloco com fantasias, charme e irreverencia da Bruxas. Começamos quando nada havia de carnaval na zona sul de Natal.

Em 2006 foi agregada ao desfile a cobra gigante, alusiva à lenda de Extremoz e o desfile entrou na programação oficial da Prefeitura de Natal. Em 2007 o tema foi: “Eu não vou, vão me levando” em homenagem a Dosinho com show de Krystal. Em 2008 introduzimos a Festa do Boi de Reis com a participação de mais 11 bonecos caracterizando os galantes, Matheus , Birico, Catarina e o Boi dançante.

Sempre fazemos uma parada técnica para troca de manipuladores de bonecos e introduzimos um pequeno palco aonde lançamos o Artista Diogo das Virgens. Esse palco alternativo sinalizou a avenida Ponta Negra como corredor da folia, deu mais conforto para os foliões antes da dispersão que ocorria no ponto sete, já na avenida Roberto Freire. É assim que surge o Polo Ponta Negra já com mais de 4 mil foliões, nos sábados de carnaval.

Em 2009 a homenagem foi a Edmar Viana, com introdução de mais um boneco gigante com sua fisionomia. O bloco leva a avenida artistas circenses, em pernas de pau, maquiados como palhaços. Nos anos seguintes o bloco já com seu objetivo alcançado, vê o surgimento de outras manifestações carnavalescas em Pta Negra e amplia seu público para 8 mil pessoas, muitas delas crianças, constituindo-se de fato num carnaval de rua, familiar e alegre.

A proposta de levar o autêntico carnaval do samba e do frevo, sem cordas, resgatou o carnaval de rua na zona sul de Natal através do incentivo ao uso espontâneo de fantasias e adereços.  Dessa forma a irreverencia, a liberdade de expressão e a alegria tomaram conta do bloco fazendo lembrar os bons momentos da Banda Gália, envolvendo pessoas de todas as idades.

O desfile do bloco é aberto ao público sem exigência de camisetas ou ingressos possibilitando acesso de todas as pessoas aos shows e ao cortejo. Respeitando legislação de silencio, o bloco concentra as 16 horas, desfila e encerra tudo antes das 22 horas.

Em 2010 comemoramos os 10 anos do bloco, lembrando o Cartão Amarelo com charges diárias de Edmar Viana nos jornais de Natal. O artista plástico João Natal passou a assinar as camisetas promocionais do bloco, sempre com um tema associado a história e as artes potiguares. A cada ano novas atrações engrandecem o bloco, como Moraes Moreira, Perfume de Gardênia, Sueldo Soares e, necessário o registro, a orquestra Frevo do Xico, iniciou sua participação no carnaval de Natal com o Bloco Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens.

Ao completar 15 anos em 2019, o bloco trouxe uma referência a Xanana, a Flor de Natal e em 2020 fez homenagem o “Rendar de Nísia Floresta”. O bloco reverenciou a figura de Nísia Floresta, por ocasião da celebração dos seus 210 anos de nascimento. Contempla-se as várias facetas da escritora, poeta, educadora e feminista. Nísia, defensora dos índios, amante da causa abolicionista, participante do movimento republicano foi uma mulher além do seu tempo. 

Com a Pandemia do Corona Vírus 19 nos recolhemos em 2021 e 2022. Agora, com a vacinação em massa e o controle sanitário do vírus, estamos novamente prontos para reunir foliões e foliãs no sábado de carnaval, dia 10 de fevereiro de 2024. Somos diversos. Somos Poetas (pensadores, intelectuais, escritores e sonhadores de todas as ordens), somos Carecas (pelas idade já adiantadas, pela sofrencia da vida e pelas hereditariedades), somos Bruxas (mulheres em luta, em vida dinâmica, em construção. Lindas e maravilhosas) e somos Lobisomens (figuras exóticas, questionáveis, nem sempre tão bonitas, mas animadas e felizes na festa de momo).

Esse ano apresentamos o “Bloco Poetinhas”. Sinalizando mais uma troca de gerações. Em 2005, fiz fotos com meus filhos. Agora estamos com Matheus e Maria Eduarda, juntando-se a todos e todas filhos e netos de foliões que amam esse Cidade.

 


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).