Eliade Pimentel

29/04/2024 11h06
 
Redução de danos, pensamento ecologicamente correto e minimalismo
 
A complexidade do pensamento humano é algo que possivelmente advenha do estilo de vida cada vez mais urbanizado e tecnológico, pois em vez de se utilizarem dos recursos simplificadores para viverem de forma mais livre, as pessoas estão adoecidas, física e mentalmente, porque quase nada lhes basta. Temos tantas opções de comida no supermercado e nas feiras, mas continuamos sem saber o que comer. E ao nos alimentarmos mal, nosso cérebro passa a não funcionar direito. 
 
A ansiedade é uma realidade e acomete a sociedade de modo geral, independentemente da faixa etária. As pessoas não se bastam a si mesmas. Precisam da validação de outrem. Não projetam sua existência sem pensar na solitude, que é o estado em que nossa companhia é a melhor, a mais importante, é tudo o que deveria importar. Em nossa existência, adquirimos adendos, que afetam a maneira que pensamos o modo de viver e como vamos viver. Refiro-me por exemplo a filhos e outras pessoas que agregam no campo da afetividade.  
 
Sabemos também que nossas necessidades fisiológicas vão muito além do ato de se alimentar, de evacuar, de urinar, de suar. O sexo nos move, ou deveria nos mover a um estado físico de bem-estar. E nesse aspecto, de bem viver, temos outras necessidades inerentes à condição humana, como é o caso da autorrealização profissional, que tem a função primordial de trazer segurança financeira. Diante de tantas necessidades, algumas nem tão fáceis de suprir, começa o desequilíbrio.
 
Por temer a solidão, iniciei a construção de um modo de vida minimalista, desde muito cedo, mas não atingi ainda esse “life rel” por que outro fator me tolhe, que é o pensamento ecologicamente correto. Tenho coisas acumuladas que vão desde um frasco de perfume a um aparelho eletrônico que já não funciona. Até uns dias atrás, eu ainda me angustiava pelo fato de ter ideias e projetar que outras pessoas, como a minha filha, contribuísse para que eu alcançasse alguns propósitos. 
 
Ultimamente, projetei noutra pessoa essa condição, de realizar um sonho antigo que requer força e coragem, além de recursos financeiros. Porém, ao constatar que não dá certo depender de ninguém, a minha frustração se tornou uma revelação. Meu luto foi passando até meu pensamento se abrir para mim mesma, para a condição de vida que eu projetei para mim ainda na adolescência. De ser uma mulher autônoma, independente, combativa e inteligente. 
 
O tal “quem sou e para onde vou” se transformou em “o que me basta e onde eu quero estar”. Simplificar as necessidades, torná-las palpáveis, procurar dividir a vontade de viver de modo simples, ajudar pessoas, compartilhar risadas no dia a dia, suprir afetividade dividindo momentos legais da vida, e não exigindo das pessoas que colaborem para o meu bem-estar. 
 
Há muito tempo, eu frequentava a casa de uma artista muito querida, que conquistou sua autonomia e vive sozinha. Ela tem dois filhos, que também são independentes. Certa vez, estranhei o fato de ela cobrar aluguel de um dos filhos, que vivia em um apartamento o qual ela abrira mão para moradia, pois comprara outro, menor e mais central para suas necessidades. Penso que sua vivência na Europa tenha contribuído para que ela pensasse em seres humanos como seres autônomos, cada um por si. E a condição de ser mãe não a obrigava a ser a mantenedora de seres adultos.  
 
E essa amiga um dia me deu outra lição. Ao perceber sua casa sempre bem arrumada, um dia ela me contou seu segredo. Uma pessoa de confiança ia à sua casa periodicamente. E era um ser meio invisível. Depois de muito lutar para que filha e outras pessoas ajudem voluntariamente em troca de casa, comida e outros cuidados, eu lembrei da minha amiga, que tem sempre uma assistência do lar que a ajuda manter sua vida livre de acúmulos, organizada no sentido da alimentação, e, sobretudo, ainda lhe garante uma pessoa para trocar ideia sobre a vida cotidiana.  
 
Penso que preciso ir mais vezes fazer companhia às amigas que moram sozinhas, pois comemos, bebemos, falamos amenidades ou assuntos sérios e, principalmente, rimos às gargalhadas, renovando nossa carga de bem-estar mental. Sou mãe, irmã, amiga, namorada, profissional e, por isso mesmo, quero estar sempre evoluindo a alcançar o conforto de estar comigo mesma, ou na companhia de quem quer que seja, mas sempre me bastando. 
 
Escolher para onde ir, abrigar-me onde me cabe e onde desejo estar acolhida, reduzir os danos de uma vida urbanizada, jogar fora o lixo sem culpa, dissolver minha existência em várias casas, vários abrigos, porque ainda não consigo resumir minha vida em uma única mala. Um dia, quem sabe. E nessa caminhada, quero voltar à terapia, pois o que tem me abalado ultimamente é o meu preciosismo no trabalho. 
 
Tem gente que leva relacionamentos ou conflitos familiares à análise. Eu já me sinto resolvida e curada nesses aspectos. O que me perturba um pouco ainda é a minha carreira. Quero ser mais autônoma também nesse sentido, deixar de me preocupar com detalhes que nem fazem tanta diferença para o público, mas que têm me esgotado mentalmente. Porque, como disse o poeta, “eles passarão, eu passarinho”. E quero continuar sendo livre e não aprisionada em meus próprios conceitos. Hasta luego!   
 

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